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Triatoma infestans: importância, controle e eliminação da espécie no Estado de São Paulo, Brasil

Eduardo Olavo da Rocha e Silva, Dalva Marli Valério Wanderley e Vera Lúcia Cortiço Corrêa Rodrigues

Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN), Mogi Guaçu, SP.

DOI: 10.1590/S0037-86821998000100010


Resumo Os autores tecem considerações a respeito do controle dos transmissores da doença de Chagas no Estado de São Paulo, especialmente sobre as atividades que levaram à eliminação do T. infestans. Inicialmente, fazem um apanhado histórico e apresentam as características principais da espécie que possibilitaram sua adaptação à situação vigente na zona rural do Estado, na primeira metade do século. Destacam também os fatores coadjuvantes às ações de controle, particularmente o êxodo rural. Mostram que a partir de 1965 o combate tomou a forma de uma verdadeira campanha, com fases distintas em função das alterações epidemiológicas, experiência adquirida e pressão dos custos. Descrevem cada fase: arrastão, expurgo seletivo, prioridades e vigilância entomológica. Após 25 anos de trabalho a campanha foi considerada encerrada, com a eliminação dos focos da espécie do planalto paulista. Porém, em função da possibilidade da reintrodução de T. infestans (transporte passivo) e da presença, em diversas localidades, de exemplares de espécies vetoras semidomiciliares (T. sordida e P. megistus) as atividades de controle não foram interrompidas e em conseqüência continua em andamento a Vigilância/ Manutenção.
Palavras-chaves: Triatomíneos. T. infestans. Profilaxia. Controle químico.

Abstract Considerations about the control of the vectors of Chagas’ disease are made in the State of Sao Paulo, mainly those activities that led to the elimination of T. infestans. First of all, the authors discuss different aspects of the biology of T.infestans mainly those that permited it to adapt itself in rural areas of the State in the first middle of the century. Secondary factors that helped the control such as rural exodus are also analysed. The article shows that since 1965 the control became a campaing with different phases due to the epidemiological situation, the acquired knowledge and the entomological surveillance. After 25 years of work, the elimination of all the foccus of T. infestans was finally reached and the campaing was ended. However, due to the possibility of reintroduction of the vector in rural areas by passive transportation besides the presence of secondary vectors (T. sordida and P. megistus) in several localities, the vector control activities were not interrupted and the surveillance is continuous. 
Key-words: Triatominae. T. infestans. Prophylaxis. Chemical control. Chagas disease.

Em novembro de 1995, os autores foram indicados pela Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN) para participar de encontros com membros de uma “Comissão Internacional de Avaliação – Mision de Evaluacion de las Actividades de Control/Eliminacion de T. infestans y corte de la transmision Transfusional de Chagas. Estados de São Paulo y Minas Gerais, Brasil. Iniciativa Cono Sur; 6-15 noviembre 1995″ onde foram apresentados dados e informações a respeito do desenvolvimento e situação atual das atividades de controle dos transmissores da doença de Chagas no Estado de São Paulo, especialmente aqueles relacionados com os procedimentos que levaram a eliminação do Triatoma infestans (Klug, 1834) das unidades domiciliares (a casa e seus anexos). Em se tratando de assunto em parte conhecido, inclusive motivo de trabalhos de fôlego (teses)4 52 54, julgou-se de interesse naquele momento adotar uma abordagem menos descritiva, mais voltada para as razões e conceitos que nortearam as etapas e fases do controle no Estado de São Paulo. Agora, com um pouco mais de profundidade e espaço, pretende-se colocar a disposição dos estudiosos e de todos que trabalham em áreas ainda não totalmente livres da principal espécie vetora da doença de Chagas, na região centro-sul do nosso continente, Triatoma infestans.

No Estado de São Paulo foram coletados, até a presente data, exemplares de 13 espécies de triatomíneos pertencentes a 6 gêneros diferentes (Tabela 1). Para efeito da profilaxia, a principal espécie no Estado era, até há pouco, Triatoma infestans e consideradas espécies secundárias Triatoma sordida e Panstrongylus megistus. Com a eliminação da primeira e instalação de medidas para controlar sua reintrodução as duas outras passaram a ser mais importantes, embora sem ocorrência visível da transmissão de Trypanosoma cruzi aos moradores da antiga região endêmica de São Paulo (planalto paulista). Por se tratar da presença de insetos hematófagos, potencialmente transmissores de doença grave, as atividades de controle continuam só que agora com a atenção voltada também para os exemplares de Rhodnius neglectus (planalto) e Triatoma tibiamaculata (litoral), capturados em números crescentes junto aos domicílios.

Antecedentes. Quando Arthur Neiva registrou pela primeira vez a presença de Panstrongylus megistus 39Triatoma sordida 38 e Triatoma infestans 40 no Estado de São Paulo, destacou o envolvimento das mesmas na transmissão da doença de Chagas, deixando claro que a presença predominante de T. infestans nas moradias representava maior perigo de transmissão. Começava na década de 10 a ser escrita a história da doença de Chagas no Estado. Em 1950, Pedreira de Freitas28 assinalava que dos 369 municípios existentes na época, em 130 (35,2%) deles haviam sido encontrados triatomíneos e dos 12.530 exemplares coletados 91,9% eram T. infestans, 7,4% P. megistus e 0,7% T. sordida.

Seria oportuno lembrar que T. infestans é uma espécie alóctone, cuja introdução em terras paulistas, procedente do sul do país, deve ter acontecido no decorrer do século XVIII através dos tropeiros que percorriam o “Caminho dos Muares”, via está que se alongava do Rio Grande do Sul até Sorocaba. No entretanto, sua presença entre nós somente tomou vulto quando no ínicio deste século ocorreu maciço deslocamento da fronteira agrícola em direção ao oeste, em busca das terras virgens necessárias ao plantio do café51. Para Lent & Wygodzinski34T. infestans é uma espécie predominantemente domiciliada e peridomiciliada e ocasionalmente encontrada em ambiente silvestre. Em São Paulo sua presença em focos silvestres tem sido rara2 3 26 e esses encontros considerados “focos antropúrgicos” isto é, fruto da reversão de hábitos dos exemplares procedentes das unidades domiciliares (UsDs)1. Forattini23, considera que o centro de endemismo da espécie está localizado nos vales interandinos da região próxima à Cochabamba; Bolívia, onde em tempos pré-colombianos ocorreu o fenômeno da domiciliação. Uma vez domiciliada, por transporte passivo, T. infestans, vagarosamente, se espalhou através dos espaços abertos naturais (diagonal árida e corredor de savanas sul-americanas). Mas foi somente após a chegada dos europeus que essa dispersão se intensificou acompanhando a penetração e ocupação populacional, invadindo as habitações nos espaços abertos para atendimento das necessidades do plantio e criação de animais (resistência antrópica). Dessa maneira, com o correr dos tempos, T. infestans acabou por se fazer presente em muitas áreas da metade centro-sul do continente. Por possuir caráter mesotérmico ou seja, preferência por ambientes áridos ou semi-úmidos, se adaptou bem aos espaços artificialmente abertos no planalto paulista, sobretudo, quando e onde proliferavam as casas de pau-a-pique e/ou barro22 em péssimas condições de habitabilidade. Gomes em 191830, falando a respeito de povoamento da nova fronteira agrícola destacou “onde as primeiras habitações não podem deixar de ser de construção rudimentar” e “moradores transportam chupança nas bagagens”.

Quanto as medidas profiláticas adotadas, antes do início das atividades rotineiras de controle, o que se tem a relatar é apenas a boa intenção de alguns poucos, entre eles, sem dúvida alguma, o mestre de todos Carlos Chagasque já a sua época exigia dos poderes públicos providências para que fossem alteradas as precárias condições de habitabilidade das moradias existentes na zona rural do país, destacando também que o “barbeiro” é um inseto frágil às medidas de destruição. Neiva41, na mesma época, defendia o rebocamento das casas e sugeria o expurgo com gás sulfuroso. A bem da verdade é bom que se diga que sem apoio das autoridades, aliado a um forte suporte financeiro, nada se consegue realizar neste campo, como ficou demonstrado no caso do Regulamento Sanitário do Serviço de Profilaxia Rural do Estado do Paraná que já em 1918, determinava obrigatoriedade na construção de casas de alvenaria na zona rural. Segundo Caldas, citado por Buralli4, “é desnecessário comentar os resultados práticos alcançados”.

Foi somente no decorrer da década dos quarenta que a problemática da doença de Chagas ganhou realmente força para buscar uma solução satisfatória. No Estado de São Paulo, o alarme levantado pela publicação de diversos trabalhos científicos5 27 42 43 44, mostrando a gravidade da situação então vigente, aliado a vontade política em recuperar a lavoura paulista da ruína financeira consequente do debacle do café no mercado internacional (anos 30), foram os principais fatores que levaram o Governo e Assembléia estadual a delegar ao Serviço de Profilaxia da Malária (SPM) a responsabilidade de combater a endemia (lei estadual nº. 1317 de 04/12/1951).

Fatores coadjuvantes. Se é verdade que as atividades de controle fundamentadas na aplicação do hexaclorociclohexano, gamexame ou simplesmente BHC nas Unidades Domiciliares (UsDs) acabaram por levar aos resultados favoráveis que serão apresentados e discutidos mais a frente, não se pode negar, por outro lado, a participação concomitante de fatores de cunho social influindo nos mesmos. Entre os fatores na área do social, alguns decorreram do desenvolvimento econômico que se espraiou pelo Estado de São Paulo na segunda metade deste século. Outros, de configuração educativa, estão relacionados diretamente à saúde. Todos de certa maneira, são de fácil identificação porém, de difícil quantificação quanto ao valor ou grau de participação nos benefícios alcançados, destacando-se como de maior interesse:

– Êxodo rural e redução no número de casas habitadas. O esvaziamento populacional acontecido no campo, nas décadas de 60, 70 e 80, com grau de intensidade variável no tempo e no espaço, foi em parte consequência da atração urbana por melhores condições de vida e de outra parte devido a modernização das atividades rurais básicas (novas relações de trabalho, novas técnicas, mecanização, etc). Este fenômeno levou a redução do trabalho braçal na zona rural e redução das casas habitadas, com a consequente destruição ou abandono das mais precárias, abrigo ideal da espécie vetora principal (Tabelas 2 e 3). Sem pretender quantificar, este foi sem dúvida um fator coadjuvante de grande expressão na redução da infestação e na queda da transmissão natural da doença de Chagas no Estado de São Paulo.

– Melhoria do nível econômico no meio rural. Em consequência da elevação do nível econômico dos moradores da zona rural, notadamente dos proprietários da terra, aconteceram mudanças visíveis nas UsDs, tais como:

. melhoria da moradia (construção de nova casa, reformas, limpeza periódica, etc);

. afastamento dos anexos e/ou melhoria desses prédios (particularmente dos galinheiros, paióis, cômodos de despejo e outros);

. destino adequado dado aos objetos e materiais em desuso que anteriormente permaneciam estocados junto à moradia; e

. uso dos praguicidas, por conta e risco dos moradores, para combater insetos incômodos e roedores.

– Elevação no nível de conhecimento e educação na área da saúde. No decorrer das atividades de controle ocorreu aumento no número das salas de aula, em todas as regiões do Estado de São Paulo, fato alardeado por todos os governos e que pela sua evidência não necessita de comprovação.

Através da ação e esforço dos professores rurais, os alunos e a população em geral passaram a receber, direta ou indiretamente, informações e conselhos a respeito dos cuidados com a saúde. Destaque-se também a penetração na zona rural dos meios de comunicação que, embora bem menos que o desejável, contribuiram e continuam contribuindo com informações gerais a respeito de saúde.

Importante de fato tem sido a ação contínua de educação sanitária, realizada pelas unidades da saúde espalhadas por todos os municípios do estado.

Finalmente, o trabalho incansável das educadoras da SUCEN e dos seus servidores de campo, orientando e ensinando com entusiasmo e dedicação a população rural.Vale destacar ainda nos dias atuais as ações,de conscientização e estímulo à notificação de insetos, sob responsabilidade principal da área de educação sanitária, de primordial importância na luta contra a reinfestação das UsDs.

Etapas iniciais das atividades de controle no Estado de São Paulo.

– Serviço de Profilaxia da Malária (SPM)/1950-1959. No início das atividades de controle dos transmissores da doença de Chagas a região endêmica era vista como uma área ampla e contínua, atingindo todo o planalto paulista a exceção da Grande São Paulo e Vale do Paraíba (Figura 1).

As operações de campo, nos 10 anos considerados, foram de bom volume (2.441.494 casas tratadas), levando-se em conta o total aproximado de 800.000 casas existentes na região endêmica. Porém, devido a problemas técnicos, operacionais e administrativos não alcançaram a qualidade e profundidade desejável. A técnica de aplicação do inseticida nas superfícies tratadas não era a melhor e as capturas efetuadas, pós-tratamento, de pouco significado. As operações de campo não alcançavam todas as casas e, em certos casos, nem mesmo todas as localidades devido a inexistência de mapas (croquis de localidades) e dificuldades no deslocamento (deficiências no transporte). A política adotada, de convênios com as prefeituras municipais, não funcionou convenientemente porque o tempo conspirava contra. As autoridades locais alegavam falta de disponibilidades e/ou desinteresse pela tarefa acertada anteriormente.

Mas apesar desses e de outros senões as operações realizadas foram úteis. Primeiro, porque o serviço sempre desfrutou de boa aceitação por parte da população rural, fato que veio a facilitar as futuras operações. Segundo, devido ao hábito domiciliar da espécie. E terceiro, porque embora possa ser tomada como uma operação rudimentar, as desinsetizações baixaram a “aglomeração”* nas casas infestadas, e momentaneamente, a “densidade”** .

Um dos alvos ou objetivos, na ocasião, era baixar o número de triatomíneos nas casas para reduzir a ocorrência da transmissão. Segundo Lopes e col36, para uma tentativa de “erradicação dos triatomíneos” seria necessário a aplicação do gamexane (BHC) duas ou três vezes no ano, operação esta impraticável pelo tamanho da área endêmica.

Decorridos dez anos de início do controle o mesmo parâmetro utilizado para demonstrar a importância da doença de Chagas indicava que a situação continuava grave4. Em 1959 Corrêa e Ferreira8 examinaram 86.992 T. infestans e encontraram um índice geral de infecção por T. cruzi de 9,4%.

– Controle simultâneo com a fase de ataque da Campanha de Erradicação da Malária (CEM)/1960-1964. Para atender as tarefas da CEM e dispor de um fundo capaz de flexibilizar sua administração o SPM, em agosto de 1959, foi transformado pelo Decreto 35.320 de 04/08/1959 em Serviço de Erradicação da Malária e Profilaxia da Doença de Chagas (SEMPDC) já em plena fase preparatória da Campanha.

Pelo plano da CEM a situação dos municípios em relação as duas endemias era aquela apresentada na Tabela 4. Registre-se que os municípios situados fora da área malarígena, mas com triatomíneos, não estavam protegidos pelas verbas da CEM. Para esses municípios foram previstas dotações especiais, o que na prática não aconteceu. Os municípios com presença concomitante de malária e doença de Chagas foram incluídos na área de operações da CEM e as despesas, no caso, corriam por conta das verbas da Campanha. Mas é interessante lembrar que nesses municípios foram realizados 2 ciclos de rociado/ano, durante 4 anos consecutivos, obedecidas, no entanto, as normas técnicas da CEM que não eram as mesmas exigidas para uma ação eficaz contra os triatomíneos. Basta destacar que os prédios anexos não eram tratados, a não ser que se ajustasse a equipe de rociado com mais um homem, o qual se encarregava exclusivamente dessa tarefa, o que raramente aconteceu.

Em que pese todos os impedimentos foram capturados nesses 5 anos, 18.464 T. infestans, com um índice geral de infecção por T. cruzi de 4,83%, pouco mais da metade daquele observado no período anterior. Segundo Rocha e Silva48, nesta etapa as atividades de controle dos triatomíneos sofreram injunções decorrentes da prioridade concedida à campanha contra a malária, mantendo-se “estacionária” a situação de T. infestans.

Campanha contra Triatoma infestansEmbora pouco enfatizada pelos técnicos da SUCEN as atividades de controle dos transmissores da doença de Chagas no Estado de São Paulo sempre estiveram alicerçadas em alvos, metas e/ou objetivos transparentes, notadamente a partir de 1965. Pode-se até considerar o acontecido após esse ano como o desenrolar de uma campanha contra T. infestans, sem prejuízo para o combate as demais espécies de interesse sanitário no Estado. A campanha, em função da estreita interligação entre as partes (fases), ainda que não programada com antecedência, chegou após 25 anos de luta (1965-1989) a extinção dos focos de T. infestans no Estado.

Esta afirmação nada tem de artificial pois é perfeitamente admissível, do ponto de vista científico, estabelecer uma teoria partindo de constatações ou vice-versa24. No caso, após terem sido realizadas as diferentes fases da luta contra T. infestans, no Estado de São Paulo, procurou-se montar um modelo que uniu as partes e buscou dar consistência ao resultado alcançado. E, em sendo do interesse, o modelo poderá ser reproduzido em áreas ainda infestadas.

O objetivo geral da Campanha, a princípio, foi a redução dos focos, porém nas fases finais passou a ser a eliminação de T. infestans do planalto paulista e assim reduzir a níveis ocasionais a transmissão natural da doença de Chagas, devido a presença de outras espécies de triatomíneos em contato com a população. Entre os alvos, metas e/ou objetivos específicos, dois serão referidos com maior frequência daqui para frente. O primeiro, chamado “alvo restrito”, se fez presente em todas as fases da campanha e está relacionado diretamente com a U.D. infestada por T. infestans. Seu propósito inicial foi baixar a “aglomeração” e “infestação”*** e somente depois, eliminar a espécie. O segundo, “alvo amplo”, estava voltado para o conjunto da infestação ou seja, toda a área endêmica. Em cada uma das fases da campanha o “alvo amplo” se alterava ou melhor dizendo, se retraia. Na primeira delas, ¾ Arrastão ¾ a infestação se espalhava por grande parte do planalto de forma extensa e contínua. Na fase seguinte, ¾ Expurgo Seletivo ¾ o levantamento entomológico mostrou uma área endêmica ainda extensa, porém descontínua, melhor dizendo em mosaico. Na fase das ¾ Prioridades ¾ se faz presente pela primeira vez a intenção de eliminar T. infestans das localidades ainda infestadas pertendentes a municípios na Prioridade 1. E, finalmente, na fase de ¾Consolidação/Vigilância Entomológica ¾ a luta foi direcionada para os “focos residuais” ainda existentes em uma única região administrativa do Estado (Sorocaba). Foi nesta fase que ocorreram as primeiras ações contra a reintrodução de T. infestans.

Nos anos 90, quando teve ínicio a etapa de Manutenção/ Vigilância II, já fora da campanha, os 2 alvos, a princípio tão distantes entre si, se juntaram em um único que passou a ser, impedir a reinfestação no nascedouro ou seja na U.D. recém-invadida. Esta situação foi alcançada por meio de ações do tipo “apagar incêndio”, a partir da notificação de foco realizada pelo morador consciente da importância do problema.

As etapas do controle e fases da campanha são apresentadas de maneira esquemática nas Figura 2 e Tabela 8.

– Fase do Arrastão (1965 – 1967). No avizinhar do final da fase de ataque da Campanha de Erradicação da Malária, com indícios de uma futura ociosidade, de custos e pessoal, alguns técnicos do SEMPDC visualizaram a possibilidade de aprimoramento do combate contra os vetores da doença de Chagas utilizando esses excessos, bem como, a experiência adquirida nas esferas, operacional, logística e administrativa, no decorrer daquela campanha. Os planos foram elaborados na segunda metade de 1964 e já no ano seguinte, pela primeira vez, se buscou uma cobertura total em um único ano de toda área endêmica do Estado de São Paulo. Em 1965, foram tratadas cerca de 670.000 UsDs, em 1966 o número subiu para 750.000 e em 1967 caiu para 480.000 UsDs, devido não só ao elevado custo da operação como também por razões ecológicas. O modelo operacional e logístico adotado nesta fase e nas seguintes foi aquele aprendido na CEM, adaptado as especificidades próprias do controle de uma nova endemia. Assim sendo, foram utilizados o reconhecimento geográfico das localidades; os itinerários previamente datados; a padronização das equipes; o adestramento e readestramento do pessoal; a supervisão das atividades de campo e os grupos de 4 a 6 equipes coordenadas por um Chefe de Setor em freqüente contato com a Chefia da Zona (Regional), exercida por profissional com curso em Saúde Pública.

O “alvo amplo”, nesta fase, foi baixar a infestação e densidade de T. infestans na suposta, até então, extensa e contínua área endêmica. Pouco depois ficou patente a necessidade de uma revisão na distribuição da espécie e visível o crescimento da invasão das UsDS pelas espécies secundárias47.

A técnica de aplicação do BHC deixou de ser cadenciada para se tornar uma varredura das superfícies, possibilitando assim a penetração do inseticida na profundeza das rachaduras e buracos existentes nas superfícies tratadas, pois são esses os locais onde se abrigam os triatomíneos. Devido a demorada tarefa de aplicação do inseticida, a captura de rotina dos triatomíneos passou a ser realizada com cuidado, em apenas uma de cada três UsDs trabalhadas. Nas outras duas, no lugar de uma meticulosa pesquisa, com pinça, lanterna e desalojante (Piriza 0540 a 1%), se adotou o esquema anterior da vistoria pós-tratamento das paredes e recolhimento dos exemplares encontrados (mortos e/ou intoxicados).

Com uma cobertura desse porte o SEMPDC passou a dispor de informações que permitiram estimar a situação vigente em cada Zona (Regional). A distribuição de T. infestans apresentava um perfil diferente daquele visto na década anterior. Buralli4, chamou atenção para as regiões de Ribeirão Preto e Campinas que já não apresentavam as altas infestações do passado, diferentemente do que estava ocorrendo em Sorocaba, São José do Rio Preto e parte de Araçatuba, onde a infestação havia aumentado e os índices de infecção da espécie variavam em função das áreas consideradas e das sub-regiões existentes, oscilando entre 5 e 10% os mais elevados e em torno de 2 a 3% os baixos.

Vale salientar que as capturas de triatomíneos realizadas, somente nos dois primeiros anos do Arrastão, foram muito maiores em exemplares coletados do que aquelas efetuadas nas duas etapas anteriores do controle. Entre 1951 e 1963 haviam sido capturados 136.268 T. infestans, ao passo que nos anos 1964-1965 foram coletados 279.082 exemplares. O arrastão foi de fato uma varredura, reduzindo a presença de T. infestans e mostrando a necessidade de uma nova delimitação da área endêmica do estado.

O estudo de Reis e cols45, realizado sob pressão do elevado custo das operações do Arrastão, procurou estabelecer através de uma fórmula matemática o ponto de equilíbrio entre os custos das operações realizadas com o emprego do arrastão e pesquisa em apenas 30% das UsDs trabalhadas, com aquele realizado utilizando-se o método do expurgo seletivo adaptado de Pedreira de Freitas29 ou seja, pesquisa em todas as UsDs e expurgo somente das positivas. Naquela ocasião, para o Estado de São Paulo, a infestação que igualava os custos dos dois métodos considerados era de 66,11% de UsDs positivas, enquanto a infestação geral girava apenas em torno dos 3%. Não havia porque não mudar a estratégia do controle47.

– Fase do Expurgo Seletivo (1968-1972). A metodologia utilizada nesta fase7 foi acompanhada no seu início pelo levantamento entomológico da área endêmica e estabelecia: pesquisa de triatomíneos em 100% das Us Ds da zona rural e em algumas periferias de cidades, realizada pela técnica manual com auxílio de pinça, lanterna e no início com uso de desalojante (Piriza 0540 a 1%, emulsão); expurgo das positivas com BHC 30% pó molhável, com revisão realizada 60 a 90 dias após. Nas casas de pau-a-pique barreada ou barro socado o expurgo deveria acontecer nas paredes internas e externas, como já havia sido feito pelo SPM37. Determinava ainda ação educativa junto à população visando mudança nos hábitos relacionados à prevenção da transmissão natural da doença de Chagas. A avaliação dos resultados obtidos pelo controle seria realizada através de um inquérito sorológico utilizando a reação de Guerreiro-Machado e levada a efeito entre escolares de 9 a 14 anos, sorteados nas escolas rurais e urbanas em todo o Estado de São Paulo, a exceção da Grande São Paulo, perfazendo o total de 50.000 crianças. Este inquérito permitiu mapear a importância relativa de cada região do Estado, quanto a ocorrência da infecção chagásica.

O início da fase coincidiu com a época em que o SEMPDC foi transformando em uma Diretoria de Combate a Vetores da Superintendência de Saneamento Ambiental (SUSAM) e suas antigas 8 Zonas, no interior, passaram a compor 10 Serviços Regionais, sendo 2 delas novas: as Regionais do Vale do Paraíba e da Grande São Paulo, (Decreto-lei 232 de 14/04/1970).

O levantamento entomológico foi de grande valia na atualização da distribuição das três espécies de interesse para o controle. No caso de T. infestans, ficou constatada sua presença até os limites oeste e noroeste do estado, com o aumento da presença nas Regionais de São José do Rio Preto e Araçatuba e seu desaparecimento da porção central do território paulista. As áreas onde os exemplares eram capturados com maior frequência, infectados por T. cruzi, abrangiam a Regional de Sorocaba e parte de Marília e Bauru, caracterizando uma “área chagásica sul” Buralli4. Ao norte, considerada esta condição, estavam os municípios situados na confluência dos rios Grande e Paraná, pertencentes as Regionais de São José do Rio Preto e Araçatuba4. De uma maneira geral a “área chagásica sul” (Sorocaba) apresentava índices de infecção mais elevados, pela presença predominante de T. infestans nesses município, enquanto que na “área chagásica norte” (São José do Rio Preto e Araçatuba) os índices eram mais discretos, devido a maior presença de T. sordida no total dos exemplares capturados4. Sem se deter na distribuição das espécies secundárias, cumpre salientar que, daqui para frente, sua importância numérica nas capturas realizadas será cada vez maior e a atenção dispensada também crescente.

“Após quinze anos de controle não sistematizado e três de borrifação intensiva, o período seletivo significou grande avanço no controle da endemia”53. Nos cinco anos desta fase a infestação geral das casas passou de 2,10% em 1968, para 1,02% em 1972, acompanhada de uma queda nas ações de expurgo que de 884.812 UsDs, em 68, cairam para 572.635 UsDs em 72. No período ocorreu também significativa redução nas capturas de T. infestans, como pode ser apreciado na Tabela 5. No entretanto, a redução no número dos municípios infestados por exemplares da espécie não foi tão grande, passando de 182 em 1968 para 159 municípios com T. infestans em 1972. Ao estratificar os índices de infestação das UsDs, segundo as Regionais, observa-se que naquelas onde ainda predominava T. infestans, como Sorocaba, a redução foi de 70% e o número dos exemplares encontrados na mesma caiu em 90%4. Porém, se consideradas apenas as microregiões de Itapetininga e Avaré, de Sorocaba, constata-se que esses índices continuavam elevados, apesar do trabalho realizado. Neste caso, além dos fatores negativos de natureza administrativa e operacional, outros mais tiveram participação na persistência dos altos índices, entre eles a qualidade da habitação4.

Essas informações permitiram considerar que chegara a hora de mudar novamente o enfoque, uma vez que a presença de T. infestans estava limitada a alguns municípios de poucas Regionais.

– Fase das Prioridades (1973-1983). Na nova fase da campanha aconteceu uma mudança no “alvo amplo” que deixou de ser dirigido para áreas inteiras ou sub-regiões com triatomíneos e passou a enfocar, isoladamente, o município e espécie presente. Com tal procedimento se procurou destacar o tratamento dado aos municípios ainda com presença de T. infestans, daqueles municípios com problemas decorrentes da presença dos exemplares de outras espécies. Por outro lado, este novo enfoque atendia também aos reclamos sobre desperdícios de custos em municípios de pouca relevância para as atividades de controle.

A programação das operações de campo nesta fase estabelecia como: Prioridade 1: municípios com T. infestansqualquer que fosse o nível da infestação. Esses continuavam sendo trabalhados todos os anos. As atividades a desenvolver seriam: pesquisa de triatomíneos em todas as UsDs, com expurgo das positivas e revisão do trabalho até 120 dias após o tratamento. No caso de persistência da infestação, seria realizado novo expurgo e posteriormente nova revisão. Os triatomíneos coletados nas pesquisas de rotina deveriam ser encaminhados ao laboratório mais próximo, para identificação e exame do material intestinal a procura de T. cruziPrioridade 2: municípios sem T. infestans, porém com significativa presença nas UsDs de exemplares das espécies semidomiciliares, T. sordida e P. megistus. Esses municípios deveriam ser cobertos de 2 em 2 ou 3 em 3 anos, de acordo com o grau de infestação. Prioridade 3: os demais municípios seriam considerados em Vigilância Entomológica e trabalhados em ciclos de (04) quatro anos. Nesses municípios seria estimulada a denúncia do foco pelo morador (notificação)49. Na verdade, por deficiência dos recursos disponíveis e também por desinteresse, pouca atenção foi dada na época a Prioridade 3 (P3). Vale lembrar que não poderia ser classificado em P.3, o município que apresentasse mais de 5% de localidades com UsDs positivas, nos últimos 3 anos. Foi designada uma Comissão de Avaliação para julgar as propostas para a classificação inicial e posteriores transferências de Prioridade. As propostas das Diretorias Regionais eram encaminhadas à Comissão, acompanhadas de relatório padronizado, contendo dados e informações que possibilitassem a realização da avaliação solicitada.

A evolução dos trabalhos, especialmente a redução de T. infestans, pode ser observada nas Tabelas 6 e 7. O acompanhamento dos índices de infecção entre escolares de 7 anos de idade matriculados entre l973 e l983, mostrou ausência de positivos a partir de 198250 53.

No âmbito da SUCEN considera-se que a interrupção da transmissão da doença de Chagas, no Estado de São Paulo, deve ter ocorrido nos primeiros anos da década dos 70. Se ocorreu uma “transmissão residual”, além desses anos, ela deve ter acontecido numa área restrita situada na região de Sorocaba, em municípios pertencentes as microrregiões de Campos de Itapetininga e de Avaré4. Essa constatação é reforçada pelos levantamentos sorológicos realizados a respeito da prevalência da infecção entre escolares e outros31 32 35 50.

No ano de 1975 a SUSAM foi desdobrada em duas diferentes Autarquias (Decreto 5.992 de 16/04/1975) e aquela que ficou com a Diretoria de Combate a Vetores passou a ser denominada, Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN) que subsiste até a presente data.

– Fase de Consolidação/Vigilância Entomológica (1984-1989). Em 1984, a SUCEN procedeu a uma nova revisão nas normas técnicas da Campanha introduzindo alterações nas atividades de campo54. A partir de então, as ações de pesquisa triatomínica passaram a ser dirigidas para as áreas com maiores níveis de infestação, obedecendo periodicidade menor. As localidades com T. infestans nos três últimos anos continuavam na Prioridade 1, com ciclo anual de trabalho. Aquelas em que as pesquisas de rotina detectaram a presença de T. sordida ou P. megistus, com percentagem de infestação maior do que 5% para o intradomicílio e/ou 10% para o peridomicílio, em pelo menos 1 dos 3 últimos anos trabalhados, continuavam na Prioridade 2, com ciclo de tratamento bienal. As demais localidades foram enquadradas na Prioridade 3, com ciclo de trabalho quadrienal. A rotina continuava baseada na pesquisa sistemática realizada em todas as UsDs da localidade e tratamento com inseticida das positivas. Além disso, foi introduzida a investigação do foco, no caso do encontro de triatomíneo infectado no intradomicílio, atividade sugerida por Rocha e Silva e cols46 e também uma atenção especial ao atendimento das notificações. Enquanto as primeiras alterações buscavam racionalizar custos e operações de campo, concentrando as ações de rotina nas poucas localidades ainda com T. infestans ou naquelas com índices de infestação maiores, no caso de espécies semidomiciliares, as demais alterações introduzidas visavam o aprimoramento do trabalho, através da avaliação das repercuções resultantes da presença de exemplares infectados no intradomicílio e maior atenção as denúncias (notificação do foco).

Nesta fase a situação residual da infestação por T. infestans era um fato concreto, bastando para tanto lembrar que apenas 29 localidades, todas situadas na região de Sorocaba, compunham a área de Prioridade 1. Este número representava apenas 0,5% do total das 839.807 localidades que formavam a área endêmica estabelecida no início da fase do expurgo seletivo.

Em 1989, uma avaliação sobre o andamento dos trabalhos foi realizada, com o objetivo de apresentar nova proposta de Vigilância. Esta nova etapa, já situada fora da campanha, segundo o esquema proposto da inexistência de focos da espécie principal, salvo no caso da sua reintrodução. O Grupo de Avaliação encontrou apenas 24% das localidades da antiga área endêmica, com índice de infestação maior do que zero, mostrando que também a infestação geral no Estado estava agora restrita a uma pequena área. No referente a coleta de triatomíneos, os dados levantados mostraram o predomínio de T. sordida (84,4%), seguido de P. megistus (17,5%) e T. infestans, este com apenas 0,1% do total de exemplares coletados no período considerado. No caso de T. infestans, se tratava de ocorrências isoladas e dispersas, de exemplares não infectados por T. cruzi, perfazendo no período o total de 195 exemplares, assim distribuídos: 142 em 1984, 2 em 1985, 1 em 1986, 1 em 1987, 10 em 1988 e 39 exemplares em 1989. No referente as atividades de risco da transmissão natural, o Grupo de Avaliação destacou os percentuais médios de 9,0% de infecção por T. cruzi para P. megistus, 1,0% para T. sordida e zero para T. infestans. Quanto a participação da população nas atividades de Vigilância Entomológica ficou consignado que 78% dos exemplares coletados dentro das casas haviam sido encaminhados pelos moradores, enquanto 92% dos focos peridomiciliares foram detectados pelas pesquisas de rotina realizadas por equipes da SUCEN.

As informações e os dados apresentados não deixam dúvidas de que a Campanha chegara ao fim, em vista da rara ocorrência de T. infestans no período. Este, quando capturado o era devido a reintrodução da espécie, por transporte passivo, a partir de regiões ainda infestadas e situadas fora do Estado de São Paulo. Portanto, tudo indicava que a Vigilância poderia ser encarada sob um novo enfoque, a etapa de Manutenção.

– Etapa de Manutenção/ Vigilância II (a partir de 1990). Após a eliminação dos focos de T. infestans (Figura 3) foram adotados novos critérios na classificação das localidades: Prioridade 1: localidades com índice de infestação intradomiciliar maior ou igual a 5% e/ou peridomiciliar maior ou igual a 10%. Pesquisa triatomínica anual em todas as Us Ds dessas localidades. Prioridade 2: localidades com índice de infestação intradomiciliar menor do que 5% e peridomiciliar menor do que 10%. Pesquisa triatomínica bienal em uma amostra de localidades. Prioridade 3: localidades com índice zero de infestação, sem pesquisa triatomínica. Para uma localidade ser incluída nestas categorias, além dos índices de infestação calculados com base nos dados fornecidos pela pesquisa de rotina, foram utilizados também novos indicadores obtidos de dados oriundos das localidades que notificaram triatomíneos e outros, obtidos no atendimento das notificações:

A notificação uma vez mais foi estimulada e seu atendimento priorizado54.

Entre 1990 e 1994 foram coletados apenas 3 exemplares (alados) de T. infestans, no Estado de São Paulo, assim distribuídos:1 alado em 90 outro em 91 e um terceiro em 94. Todos eles detectados por meio da notificação e oriundos de regiões situadas fora do Estado (transporte passivo). No mesmo período foram coletadas ninfas, provável característica da formação de focos no intra ou no peridomicílio, das seguintes espécies: 2.280 ninfas de P. megistus (19,9% no intradomicílio), 8009 de T. sordida (9,4% no intra) e 100 ninfas de R. neglectus (2% no intra). Rhodnius neglectus, embora dotado de valência ecológica que lhe permite no processo da dispersão colonizar nos ecótopos artificiais25, o faz ainda em pequeno grau no intradomicílio.

Nesta etapa do controle, o objetivo geral é manter a interrupção da transmissão natural da doença de Chagas e os objetivos específicos: investigar as manifestações humanas do contato dessa população com triatomíneos potencialmente vetores (espécies semidomiciliares); identificar e combater todo e qualquer foco de triatomíneos nas UsDs; contribuir para a redução das fontes de infecção humanas na cadeia de transmissão e identificar e encaminhar para atendimento no sistema de saúde os portadores da infecção chagásica. Esses objetivos serão alcançados mediante a execução de atividades relacionadas com a vigilância de risco da infecção, tais como: coleta e exame de triatomíneos; exame sorológico da população residente em casa com triatomíneo infectado e encaminhamento dos portadores da infecção chagásica ao sistema de saúde. A estas ações acrescentam-se aquelas relacionadas com o controle do foco de infestação da U D por triatomíneos, quais sejam: pesquisa sistemática de rotina em todas as unidades domiciliares de localidades infestadas; recebimento e atendimento imediato de notificações feitas pela população e tratamento com inseticida da U D com presença de focos de triatomíneos54. Vale lembrar que a partir de 1989 o inseticida utilizado pela SUCEN passou a ser a deltametrina, utilizada na formulação de suspensão concentrada a 5%. Se trata de um piretróide sintético que tem sido utilizado com sucesso desde o início dos anos 80, cuja concentração letal para triatomineos é de 25mg/m2 de parede tratada55.

A vigilância contra T. infestans ficou reduzida agora as operações do tipo “apagar incêndio” nas UsDs reinfestadas, por transporte passivo, e descobertas pela notificação através da população esclarecida e confiante na pronta atuação da SUCEN. O “alvo amplo” de outrora se incorporou nesta etapa ao “alvo restrito”, na U.D. reinfestada (Figura 2). Esta, isolada numa área “limpa”, será descoberta pelo morador consciente do mal que representa a presença de triatomíneos em sua moradia.

Nesta altura, vale voltar a Comissão Internacional de Avaliação33, ou melhor, a duas das suas conclusões a respeito das atividades de controle, realizadas no Estado de São Paulo:

– “Os resultados sorológicos anuais entre escolares de 7 anos de idade no estudo efetuado entre 1973 e 1983 permitem considerar a inexistência de casos desde 1981”.

– “A Vigilância Entomológica não identifica colônias de T. infestans desde 1984, com escassas coletas de exemplares isolados (transporte passivo)”. “Estes dados associados aos resultados sorológicos de baixa prevalência na população adulta, com negatividade dos grupos jovens, permitem concluir que o T. infestans foi eliminado do Estado de São Paulo”. (o grifo é nosso).

De posse de uma avaliação tão transparente quanto esta os técnicos da SUCEN puderam confirmar como encerrada, no final de 1989, a campanha contra Triatoma infestans no Estado de São Paulo, No entretanto, no sentido de evitar possível reintrodução da espécie as atividades de Vigilância continuam, juntamente com o controle dirigido aos demais triatomíneos invasores dos ecótopos artificiais em nosso meio.

A eliminação de Triatoma infestans foi fato marcante para todos os servidores que batalharam pelo resultado alcançado e ressalta uma vez mais a qualidade da Saúde Pública do Estado, primeira a alcançar essa meta em todo cone sul do continente sul-americano.

Ao concluir, parece ser este também o momento para ser reverenciada da figura de Emmanuel Dias, pelo muito que realizou no campo da profilaxia da doença de Chagas, como por exemplo, os primeiros testes com o gamexane contra “barbeiros”17 18 20; importantes estudos a respeito do comportamento e controle dos transmissores9 10 12 14 16 21; liderança nas atividades do Centro de Pesquisas de Bambuí-MG11 13 19, e até mesmo sugestões para um plano de erradicação dos vetores em São Paulo (1957)15. Foi ele sem dúvida, a figura tutelar na área da profilaxia da doença de Chagas em nosso país.

HOMENAGEM

Nossos respeitos ao Pesquisador Científico, Geraldo Magela Buralli, prematuramente falecido, cuja Tese de Mestrado ¾“Estudos do Controle dos triatomíneos domiciliados no Estado de São Paulo”, 1985 ¾ vem servindo de guia para aqueles que se aventuram em escrever sobre o combate aos “barbeiros” em São Paulo.

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* aglomeração =

exemplares capturados

x 100

USDS infestadas

** densidade =

exemplares capturados

x 100

USDS pesquisadas

*** infestação =

USDS infestadas

x 100

USDS pesquisadas

 

Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN), Mogi Guaçu, SP.
Endereço para correspondência: Dr. Eduardo Olavo da Rocha e Silva. R Afonso Pessini 86,CP:192. 13840.970 Mogi Guaçu, SP. Fax: (0l9) 861-5759.
Recebido para publicação em 28/02/97.