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Leishmaniose tegumentar americana em centro de treinamento militar localizado na Zona da Mata de Pernambuco, Brasil

Sinval P. Brandão-Filho, Maria E. Felinto de Brito, Clediane A. Pereira Martins, Iara B. Sommer, Hélio F. Valença, Francisco A. Almeida e Judilson Gomes

Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães/FIOCRUZ, Fundação Nacional de Saúde e Hospital Geral do Recife/Sétima Região Militar do Exército, Recife, PE.

DOI: 10.1590/S0037-86821998000600012


Resumo Um surto de leishmaniose tegumentar americana ocorreu em 1996 em unidade de treinamento militar situada na Zona da Mata de Pernambuco, com o registro de 26 casos humanos. Um inquérito epidemiológico foi realizado através da realização de levantamento entomológico e da aplicação do Teste de Montenegro. Lutzomyia choti apresentou predominância de 89,9% dos flebótomos identificados. De 545 homens que participaram de treinamentos no período, 24,1% (incluindo os casos clínicos) foram positivo para o Teste de Montenegro.
Palavras-chaves: Leishmaniose tegumentar americana. Lutzomyia sppLeishmania. Teste de Montenegro.

Abstract An outbreak of American cutaneous leishmaniasis has been occurred in military training unit localized in ‘Zona da Mata’ of Pernambuco State, Brazil, where were registered 26 human cases. An epidemiological survey was carried out by entomological investigation and Montenegro skin test (MST). Lutzomyia choti presents predominance (89.9%) in sandflies identified. Out of 545 men who realized training activities were 24.12% positive to MST.
Key-words: American cutaneous leishmaniasis. Lutzomyia sppLeishmania. Montenegro skin test.

 

Em agosto de 1996, casos humanos de leishmaniose tegumentar americana (LTA) foram diagnosticados em militares que realizaram atividades de treinamento noturno e diurno no Centro de Instrução Marechal Newton Cavalcanti (CIMNC), localizado entre os municipios de Camaragibe e Paudalho, Zona da Mata Norte de Pernambuco. Com o objetivo de caracterizar este surto, foi realizado um inquérito epidemiológico na localidade e no efetivo militar que esteve participando de atividades durante o período em que ocorreram os casos de LTA. Este inquérito consistiu da realização de um levantamento entomológico para a identificação das espécies de flebótomos da fauna local e pesquisa de infecção natural por Leishmania spp, e de inquérito de prevalência através da aplicação do Teste de Intradermorreação de Montenegro, para verificar o índice de infecção (positividade) na população exposta ao risco durante o período de treinamento.

Com 6280 hectares de área, a localidade foi no passado propriedade de engenho (usina), usada para o cultivo de cana-de-açucar para a produção de açucar, desativado quando da ocupação pelo Exército a partir de 1944, com a finalidade de implementar um Centro de instrução militar. A unidade possue um pavilhão central de comando, 2 vilas com 16 casas contíguas, 8 galpões utilizados para os eventuais alojamentos de tropas em treinamento, 1 capela, 1 colégio e 14 casas de vigias. A vegetação predominante é constituida de matas secundárias, com resquícios localizados de Mata Atlântica primitiva e dispersas fruteiras regionais, como jaqueiras e mangueiras.

Os pacientes foram encaminhados para o Hospital Geral do Recife (HGR), onde, após o diagnóstico, receberam o tratamento. O diagnóstico foi realizado por exames clínicos (características das lesões) e pelo exame microscópico de material obtido através de raspado das lesões, fixados em lâmina e corados pelo corante de Giemsa, onde foram observadas formas amastigotas típicas de Leishmania. 26 casos foram diagnosticados no total, dos quais 21 no 4º BPE (Batalhão de Polícia do Exército) e 5 no 14º BIAAe (Batalhão de Infantaria Anti-Aérea). As lesões caracterizavam-se por úlceras localizadas de pequeno tamanho em áreas do corpo descobertas (face, braços e mãos), com evolução precoce, devido o pronto diagnóstico realizado pelo serviço médico. O tratamento consistiu da aplicação do antimonial Antimoniato de Meglumina (Glucantime®), pelas vias intramuscular e/ou endovenosa, na dose convencional de 10mg/kg, em série de vinte dias de duração. Todos pacientes curaram-se ao final da primeira série.

Infelizmente, não foi possível identificar a espécie de Leishmania envolvida, pois não tivemos a oportunidade de realizar o aspirado e biopsia das lesões, procedimentos necessários para o isolamento do parasita em cultura e posterior realização da tipagem específica; pois quando iniciamos o inquérito, todos pacientes já haviam sido tratados.

Capturas de flebótomos foram realizadas durante uma semana, dois meses após o início do surto, com o objetivo de identificar as espécies presentes na fauna local e verificar a infecção natural através da dissecção de exemplares. As capturas foram realizadas através de capturadores manuais de Castro, com auxílio da armadilha de Shannon e isca humana, diretamente nos troncos de árvores e locas de pedras, e com armadilhas luminosas modelo CDC, nos períodos crepuscular e noturno, conhecidos como de maior atividade da maioria das espécies de flebotomíneos do Novo Mundo. As capturas manuais foram realizadas entre 17:00h e 21:00h, enquanto que as armadilhas CDC funcionaram durante o período usual de 12 horas seguidas: das 18:00hs às 06:00hs da manhã seguinte. Foram utilizadas 2 armadilhas de Shannon, armadas com a distância de 150m uma da outra, e 10 armadilhas CDC obedecendo a equidistancia de 10m entre uma e outra, distribuidas dentro e em volta da vegetação correspondente aos locais onde foram realizadas as atividades de acantonamento dos efetivos onde ocorreram os casos de LTA.

A densidade de flebótomos foi baixa, se compararmos com a densidade média verificada em outra área da Zona da Mata de Pernambuco (município de Amaraji)1, onde predomina Lu. whitmani, na qual realizamos um estudo epidemiológico longitudinal. Foram capturados o total de 299 exemplares, entre os quais foram identificadas as espécies apresentadas na Tabela 1. Nenhum exemplar foi encontrado naturalmente infectado por Leishmania ou outros tripanossomatídeos após dissecções realizadas.

Destas espécies, Lutzomyia wellcomei é a única incriminada como vetor de Leishmania spp (Leishmania braziliensis) no Brasil3 6, particularmente na região amazônica (Estado do Pará), onde foi encontrada naturalmente infectada e tem elevado grau de antropofilia. Evidências indiretas sugerem a incriminação de Lu. choti como suspeito vetor envolvido, tendo em vista sua predominância em relação às outras espécies encontradas. Por outro lado, a presença de Lu. wellcomei constitui também outra evidência sobre o possível envolvimento deste vetor nesta área.

O Teste de intradermorreação de Montenegro foi realizado nos dois contingentes militares que participaram de treinamentos no CIMNC no período em que ocorreram os casos. O teste consistiu da inoculação via subcutânea de 0,1ml do antígeno (leishmanina) padronizado e preparado de acordo com Mayrink et al5. Após 48h foi realizada a leitura pelo teste da esferográfica proposto por Sokal7, sendo considerado positivo quando a induração teve cinco ou mais milímetros de diâmetro. O teste possue uma alta sensibilidade e especificidade, constituindo-se no melhor método para inquéritos epidemiológicos de LTA, sendo capaz de detectar infecções tanto remotas, como recentes.

No 4º BPE, o teste foi realizado em 568 homens, dos quais 463 destes realizaram treinamento no CIMNC no período do surto. Nesta unidade, 136 apresentaram positividade ao teste, dos quais 22 desenvolveram LTA, sendo 21 no surto de 1996 e um em 1985, quando servia em Imperatriz, MA. O total de positivos representou 24,2%, o que é bastante significante em termos epidemiológicos. No 14º BIAAe o quadro foi similar. De 82 que realizaram o teste e que realizaram atividades de treinamento no mesmo período, 19 foram positivos (incluindo os cinco que desenvolveram LTA), representando 24,05%. Somente foram considerados para o cálculo final aqueles em que foi realizada a leitura.

Na região da Zona da Mata, que se estende do Nordeste ao Sudeste do Brasil, predomina a LTA associada à L. (Viannia) braziliensis, ocorrendo em áreas de colonização antiga4L. (V.) braziliensis já foi isolada de pacientes procedentes da Zona da Mata Sul de Pernambuco (Amaraji e Cortez)2, e poderia estar também envolvida neste surto.

O uso de repelentes e a proteção pessoal do corpo com uniformes, constituiram as recomendações encaminhadas aos comandos como medidas profiláticas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Brandão-Filho SP, Carvalho FG, Felinto de Brito ME, Almeida FA, Nascimento LA. American cutaneous leishmaniasis in Pernambuco, Brazil: Eco-epidemiological aspects in ‘Zona da Mata’ region. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 89:445-449, 1994.         [ Links ]

2. Brito MEF, Brandão-Filho SP, Salles NR, Cupolilo E, Grimaldi Jr G, Momen H. Human cutaneous leishmaniasis due to a new enzymatic variant of Leishmania (Viannia) braziliensis ocurring in Pernambuco, Brazil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 88:633-634, 1993.         [ Links ]

3. Lainson R, Shaw JJ. The role of animals in the epidemiology of South American Leishmaniasis. In: Lumsden WHR, Evans DA (eds) The Biology of the Kinetoplastida, Academic Press, London, vol. 2, p. 1-116, 1979.         [ Links ]

4. Marzochi MCA. Leishmanioses no Brasil. As Leishmanioses Tegumentares. Jornal Brasileiro de Medicina 63:82-104, 1992.         [ Links ]

5. Mayrink W, Melo MN, Costa CA, Coutinho SG, Hermeto MV, Genaro O, Toledo VPCP, Guerra H. Multinational development of a standard skin test antigen in America: Preliminary results in the Minas Gerais State, Brazil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 88 (supl):226, 1993.         [ Links ]

6. Ryan L, Lainson R, Shaw JJ. Leishmaniasis in Brazil. XXIV. Natural flagellate infections of sandflies (Diptera: Psychodidae) in Pará State, with particular reference to the role of Psychodopygus wellcomei as the vector of Leishmania braziliensis in the Serra do Carajas. Trans. of Royal Society of the Tropical Medicine and Hygiene 81:353-359, 1987.         [ Links ]

7. Sokal, JE. Measurement of delayed skin-test responses. New England Journal of Medicine 293:501-502, 1975.        [ Links ]

Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães/FIOCRUZ, Fundação Nacional de Saúde e Hospital Geral do Recife/Sétima Região Militar do Exército, Recife, PE.
Endereço para correspondência: Dr. Sinval P. Brandão Filho. CPqAM/FIOCRUZ, Av. Moraes Rego s/nº, Campos da UFPE, 50670-420 Recife, PE, 
Fone: (081) 271-4000; Fax: (081) 453-1911.
E-mail: sinval@cpqam.fiocruz.br
Recebido para publicação em 29/12/97.