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SOROPREVALÊNCIA DO VÍRUS DA HEPATITE C NA POPULAÇÃO EM DIÁLISE DE GOIÂNIA, GO

Alessandra Vitorino Naghettini, Roberto Ruhman Daher, Regina M.B. Martin, Jarbas Doles, Bart Vanderborght, Clara F.T. Yoshida e Caroline Rouzere

Departamento de Pediatria e Puericultura da Faculdade de Medicina, Departamento de Medicina Tropical e de Microbiologia e Virologia do Instituto de Medicina Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás, Laboratório Jarbas Doles, Goiânia, GO, Departamento de Virologia da Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil e Innogenetics N.V. Ghent, Belgium.

DOI: 10.1590/S0037-86821997000200005


Um estudo soroepidemiológico para anticorpo do vírus da hepatite C (anti-VHC) foi realizado na população em diálise de Goiânia ,com objetivo de avaliar a soroprevalência do vírus e sua associação com possíveis fatores de risco. Foram estudados 173 pacientes com idade variando de 10­70 anos, 35,3% (61/173) apresentaram soropositividade pelo ELISA de segunda geração e 25% (44/173) pelo INNO-LIA.Uso de drogas, hábitos sexuais, número de transfusões e atividade de transaminases não apresentaram relação significativa com a soropositividade. A permanência no tratamento e o uso da hemodiálise apresentaram correlação positiva com o anti-VHC (p < 0,05).Os dados sugerem que a hepatite C tem alta prevalência nos pacientes em hemodiálise e que o tempo em tratamento é um fator de risco para adquirir a infecção.
Palavras-chaves: Hepatite C vírus. Anti-VHC. Transmissão da hepatite C. Diálise.

Desde a introdução de medidas preventivas para disseminação da infecção do vírus da hepatite B nas unidades de diálise, a hepatite não A não B tornou-se a causa mais comum da hepatite aguda entre pacientes e o corpo clínico dessas instituições 4. Com a descoberta do vírus da hepatite C (VHC) e sabendo ser sua transmissão parenteral preferencialmente, pacientes em unidades de diálise foram então considerados de alto risco para aquisição da doença9.

Vários estudos demonstram valores bastantes variáveis da prevalência de anti-VHC em diferentes unidades de diálise de acordo com a região. Na Alemanha, foi observada uma prevalência de 7,4%7, na Itália, 18,4%6, Califórnia (EUA), 15,7%16, Austrália, 10%12. Países do Oriente apresentam uma soropositividade mais elevada, na Turquia, 51,2%8, Oman, 26,5%1, no Japão 20,4%5.

Para os pacientes, a exposição a produtos sanguíneos contaminados é um fator epidemiológico importante, porém a utilização de técnicas de diálise em unidades hospitalares e/ou ambulatoriais fechadas tem sido considerado como fator de risco. De acordo com Petrosillo11, o VHC pode ser introduzido nas unidades de diálise por pacientes que receberam múltiplas transfusões ou pertenceram a grupo de risco. Estes pacientes podem servir como reservatório e disseminar a infecção entre outros pacientes e a equipe médica.

Nesse estudo descrevemos a prevalência de anticorpo para vírus da hepatite C (anti-VHC) entre pacientes em programa de diálise nas unidades de Goiânia e sua associação com fatores de risco, levando em consideração o tempo em diálise, tipo de tratamento dialítico, número de transfusões, uso de drogas e hábitos sexuais.

MATERIAL E MÉTODOS

Pacientes. Entre dezembro de 1992 e março de 1993 foram avaliados 173 indivíduos portadores de insuficiência renal crônica que estavam sendo submetidos a algum tipo de tratamento dialítico por um período superior à 30 dias, nos 8 centros da cidade de Goiânia, Goiás. Foram registrados dados sobre tipo e tempo em diálise, número de transfusões, uso de drogas e atividade sexual .

Dos 173 pacientes estudados, a idade média encontrada foi de 42,87 (±14,4 ), sendo 53,2% do sexo masculino. 84,4 % (146/173) estavam em hemodiálise (HD), 6,9 % (12/173) em diálise peritoneal ambulatorial contínua (DPAC) e 8,7 % (15/173) em diálise peritoneal intermitente (DPI).

A permanência nos diversos tipos de tratamento variou de 1-144 meses ( = 28,8, mediana 19,5). Em relação às unidades de transfusão recebidas, variaram de 1-84 ( = 6,8; 77,5% de 1-20).

Pacientes em diálise peritoneal ambulatorial contínua (DPAC) apresentaram tempo médio de permanência no tratamento de 12,5 meses (mediana = 5,5), com 2,7 transfusões em média (mediana = 1,5). O grupo em diálise peritoneal intermitente (DPI) apresentou permanência média de 4,4 meses (mediana = 2,0) e transfusões 3,4 (mediana = 2,0). Na hemodiálise (HD) a permanência média foi de 32 meses (mediana = 22,5) com transfusões 7,4 (mediana = 3).

Sobre hábitos de vida, 2/173 (1,2%) utilizaram droga por via endovenosa, 3/173 (1,7%) relataram experiência homossexual e 1/173 (0,6 %) apresentava tatuagens.

Testes sorológicos. As amostras de soros coletadas foram conservadas à -20° até a realização dos testes para detecção de anticorpos para hepatite C e atividade das transaminases.

Detecção do anti-VHC. Anticorpos anti-VHC foram detectados inicialmente pelo ensaio imunoenzimático (ELISA), de segunda geração, empregando-se uma mistura de antígenos recombinantes correspondentes às regiões: “core”, NS3, NS5 do genoma do VHC (gentilmente cedidos pela Research Foundation for Microbial Disease of Osaka University, Japão), seguindo a técnica descrita por Yoshida15. As amostras reativas ao ELISA foram retestadas pelo “line imunoassay” (INNO-LIA VHC Ab, Innogenetics, Bélgica), o que permitiu a detecção diferencial de anticorpos para os peptídeos representantes das regiões: “core”, NS4, NS5 do genoma do VHC.

Detecção da atividade das transaminases. Todas as dosagens foram realizadas no Sistema Automático “Coba Mira Plus”, Laboratório Roche, pelo método cinético U.V. sendo a temperatura da reação de 30°C, foram considerados valores normais, < 33 para aspartato aminotransferase (AST) e < 36 para alanino aminotransferase (ALT). Utilizou-se kit Doles Reagentes.

Processamento e análise de dados. Os questionários utilizados na entrevista e fichas de exames sorológicos foram armazenados em programa gerenciador de banco de dados, Dbase III. Foram processados e analisados no programa EPIINFO 6.0, programa desenvolvido por Andrew G. Dean e colaboradores (CDC, Atlanta, GA, USA). Estimativas de risco (razão de prevalência) foram calculadas com intervalo de confiança de 95%.

RESULTADOS

A prevalência de anticorpos para o vírus da hepatite C pelo método de ELISA (segunda geração) foi de 35,3%. Na confirmação pelo “line imunoassay” (INNO-LIA) essa prevalência caiu para 26% (45/173).

Avaliando a prevalência segundo os antígenos pelo INNO-LIA,observamos 68,9% de positividade para o “Core”, 34,4 % para NS4 e 18,0 % para NS5.

O valor médio encontrado para (AST) foi de 22,8 ± 16,6; 12,7 % estavam acima dos valores normais para o método. Para ALT a média foi de 16.6 (±12,9) com 4% acima dos valores normais.

Pacientes em HD (Tabela 1) apresentaram soropositividade em 29,4%, no DPAC em 16,6%, e na DPI em 0% (p = 0,03).

Existe uma correlação positiva entre duração do tratamento (Tabela 1) e infecção pelo VHC (p < 0,05). De 173 pacientes, 110 estavam em diálise por um período < 24 meses sendo que 16(13 %) eram anti-VHC positivo, 63/173 com período > 24 meses onde 30 / 63 (47% ) eram sororreagentes.

Na avaliação do fator transfusão (Tabela 1), 84,9% (147/173) tinham sido submetidos à transfusão, desses 27,9% (41/147) eram positivos. Dos 26 pacientes não transfundidos, 4 (15,4%) apresentaram soropositividade. Obtendo-se um risco relativo de soroconversão para transfusão de 1,01.

Em relação à exposição homossexual foi observado prevalência de 66,66%, todos os indivíduos que apresentavam tatuagens e fizeram uso de drogas eram anti-VHC reagentes, porém a amostra foi muito restrita não permitindo uma avaliação estatística.

Avaliando as enzimas hepáticas (Tabela 2), observa-se uma positividade do marcador anti-VHC em 24,8% de AST menor que 33 e 33,3% quando AST maior que 33 (p = 0,35). Para ALT menor que 36 a positividade foi de 24,9% e quando maior que 36 de 50% (p = 0,11) com sensibilidade 8,8%, especificidade 96%, valor preditivo positivo 50% e negativo 75%.

 

DISCUSSÃO

Este estudo constitui a primeira avaliação soroepidemiológica da presença de anticorpos para o vírus da hepatite C (anti-VHC) nas unidades de diálise da cidade de Goiânia. Levou-se em consideração todos os serviços disponíveis no período de 1992-1993.

Nossos resultados demonstraram uma alta prevalência do anti-VHC, 35,3% (ELISA) e 26% (INNO-LIA), algo em torno de 20 vezes os valores obtidos na avaliação de doadores de sangue desta cidade10, que foi de 2,2% (ELISA) e 1,4% (INNO-LIA). São porém ainda menores do que o observado no Rio de Janeiro13, Brasil, que apresenta uma soropositividade de 65% entre pacientes em hemodiálise, valor esse 24 vezes maior que o obtido nos bancos de sangue.

Observamos uma concordância de 73,7% entre os resultados obtidos com ELISA de 2ª geração e INNO-LIA. A utilização de diferentes antígenos para realização do ELISA e INNO-LIA poderá ter contribuído com a menor especificidade encontrada por esse método. Lembramos que diferentes padrões de resposta imune do hospedeiro associados à possíveis variações genômicas do VHC favorecem à uma heterogeneidade das reações imunodiagnósticas na infecção pelo VHC. Portanto a utilização de múltiplos antígenos no rastreamento do VHC resultam em um aumento de sensibilidade e especificidade. Observando a localização estrutural dos epítopos observamos que a positividade para outras regiões que não o “Core”, reafirma a questão dita acima.

Em relação à dosagem de aminotransferases, observamos que o seu valor normal não descarta a possibilidade da patologia, uma vez que a dosagem de ALT e AST foram pouco sensíveis na correlação com INNO-LIA positivo, 17,7% e 8,8% respectivamente, porém ALT apresentou boa especificidade (96%), indicando uma relação com doença em atividade14.

Observamos uma possível associação da soropositividade com a duração da diálise (p < 0,05) e também uma diferença significativa entre os pacientes em hemodiálise (p < 0,05). Esses resultados indicam que a maior chance de transmissão ocorre provavelmente pelo tempo em exposição e quando esse é realizado em unidades fechadas, como é o caso da hemodiálise, o risco de contaminação pode estar relacionado ao próprio procedimento, por transmissão horizontal, por via percutânea durante a punção das fístulas, acidentes da diálise com derramamento de sangue e contato com material contaminado2 3 9.

Sobre as transfusões sanguíneas, não foi encontrada relação significativa entre o número de unidades e soroconversão; porém, como este parâmetro foi obtido retrospectivamente, um número variável de transfusões pode não ter sido anotado nos centros de diálise, o que inviabiliza uma análise mais sensível de uma possível participação na transmissão.

Uma vez que a transmissibilidade do vírus C nas unidades de diálise não acontece apenas pela uso de sangue e derivados para se promover um maior controle faz-se então necessário a utilização de algumas medidas para controlar a disseminação como: a identificação de pacientes de risco com triagens sorológicas periódicas, uso de equipamentos e áreas para pacientes positivos e negativos, adoção de técnicas e barreira, higiene geral e precaução no uso de instrumentos perfuro-cortantes.

SUMMARY

A cross-sectional study was performed to determine the prevalence of HCV among dialysis population in Goiânia and its association with possible risk factors. The patients were 173, aged 10 to 70 years old. An Elisa II test was undertaken and 61 of 173 (35.3%) had positive test; when INNO-LIA test was made, soropositivity was 26% (44/173). Patients with anti-VHC antibodies have been kept on hemodialysis treatment for periods longer than negatives (p < 0.05). Neither drugs users, blood transfusions, sexual and aminotransferase activity were significantly correlated with the infection. There is an elevated prevalence of anti-VHC antibodies among chronic hemodialysis patients which seems to be related to the time that patients are on dialysis treatment.
Key-words: Hepatitis C virus. Anti-VHC. Hepatitis C transmission. Dialysis.

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Departamento de Pediatria e Puericultura da Faculdade de Medicina, Departamento de Medicina Tropical e de Microbiologia e Virologia do Instituto de Medicina Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás, Laboratório Jarbas Doles, Goiânia, GO, Departamento de Virologia da Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil e Innogenetics N.V. Ghent, Belgium.
Endereço para correspondência: Drª Alessandra Vitorino Naghettini. Departamento de Pediatria e Puericultura/FM/UFGO, 1ª Avenida s/nº, Setor Universitário, 74000-000 Goiânia, GO.
Tel: (062) 255-2165. Fax: (062) 255-8401.

Recebido para publicacão em 02/01/96.